TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 23 de março de 2017

Exposição Patativa do Assaré ocorre no Campus do Pimenta da URCA - por Carlos Rafael

"De poeta matuto a poeta doutor" é o título da exposição que homenageia o aniversário de 108 anos de nascimento do poeta Patativa do Assaré.
Com curadoria e acervo pertencente ao cineasta Jackson Bantim (Bola), a exposição ocorre no Campus do Pimenta da Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato.
Foi aberta na última segunda-feira, dia 20 de março, mas permanecerá  até o dia 12 de abril, franqueada ao público em geral, das 8 às 21 horas, de segunda a sexta.
A exposição consta de fotografias, livros, discos, cordéis e reportagens sobre Patativa, além da réplica da casa do poeta, localizada na Serra de Santana, município do Assaré.
Vale a pena conferir, pela riqueza e originalidade do acervo exposto.
A promoção é da Universidade Regional do Cariri (URCA), através da Pró-Reitoria de Extensão (Proex).
A seguir, cobertura fotográfica feita na noite de abertura.







terça-feira, 21 de março de 2017

RECORDAR É VIVER ???


Aécio Neves após derrota nas urnas:


"Vamos obstruir todos os trabalhos legislativos

 até o país “quebrar” e a Presidenta Dilma ficar

 incapacitada de governar. Sem o Poder

 Legislativo nenhum governo se sustenta!”

segunda-feira, 20 de março de 2017

Falece a arqueóloga Rosiane Limaverde - por Carlos Rafael


Faleceu na manhã de hoje, 20/03, a arqueóloga caririense Rosiane Limaverde, vítima de um câncer de útero, contra o qual vinha lutando há quatro anos.
Rosiane, de 51 anos, deixou uma rica contribuição à cultura caririense, principalmente por ter o sido, ao lado do esposo Alemberg Quindins, fundadora da Fundação Casa Grande, entidade que faz um reconhecido trabalho de inserção socioeducacional com as crianças do município de Nova Olinda.
É uma perda irreparável, mas que deixará um duradouro e relevante legado em prol da cultura regional, de valorização da identidade construída pelos saberes populares.

terça-feira, 14 de março de 2017

QUADRILHA LONGEVA

OPERAÇÃO ABAFA - Bastou o presidente Fernando Henrique Cardoso entregar os ministérios dos Transportes e da Justiça para ELISEU PADILHA e Iris Resende e os peemedebistas fizeram as pazes com o Governo. O Presidente da Câmara, MICHEL TEMER (PMDB-SP), ELISEU e o líder do PMDB na Câmara, GEDDEL VIEIRA LIMA (BA), fecharam neste final de semana a estratégia para abafar o escândalo das denúncias de compra de votos na votação da reeleição” (Jornal O GLOBO, segunda-feira, 19 de maio de 1997 ).

Como se observa, 20 anos atrás a “irmandade” já atuava com desembaraço e desfaçatez (os atores são os mesmos e o modus operandi idem).

domingo, 5 de março de 2017

Hoje diria mil desaforos
Machucaria todos os momentos
Que um dia me fez feliz
Quebraria os copos, os pratos
E todas as mentiras que acreditei
Talvez saísse uns gritos engasgados e uma represa de choro quebrasse
Ainda assim permaneceria
Humanas estátuas carregadas de dureza e desumanidade.

Alexandre Lucas


A cama preenchida de cachos
Ondula desejos
Resta um doce espalhado entre os lençóis
Hora de arrumar a cama
Tomar banho
Vestir a roupa e saculejar um adeus.

Alexandre Lucas


Um poema apertado
Entre o que não se quer dizer
E a pressão de querer se manifestar
feito nó cego
O poema não desata
E se guarda.

Alexandre Lucas



Escreveria em tuas pernas
Um manifesto de prazer
A língua fiel escritora da tua pele
Deixaria em carrossel seus sentidos
Deitado sobre a presença
Transcrevo lembranças.

Alexandre Lucas


Sem cerimônias atravessaria os teus olhares
Entrelaçaria tuas pernas em minha cabeça
Até sentir gemidos trêmulos
Tua respiração descompassada
Não faria nenhuma jura de amor
Guardaria teu corpo nas minhas lembranças
E queimaria todas as promessas imaculadas.

Alexandre Lucas

Os contratos entre os corpos tem prazo
Alguns passados no papel , outros no sagrado e ainda aqueles passados na língua
Duram às vezes uma noite inteira
As vezes uma mexida de nuvens
Outras vezes um tempo definido que não se define
Esse corpo que é meu, até parece que é teu
Mas se for ver
 aqui tem porta
E ai também
Se entra sem permissão
Não é contrato
É invasão.

Alexandre Lucas

Não consigo lembrar o afeto que me contagiava à noite
Devia ser intenso,
Hoje resta, cacos pontiagudos que contam o carinho
E que deixam as noites silenciosas e dolorosas
Como num velório
Em que os risos são contidos
e as ideias embaraçadas
Enterro, a noite
Para que os dias renasçam brilhantes
escaldantes e cheios de amor.

Alexandre Lucas


Com quantos poetas definiu a noite?
A noite é tua
Faz dela o que quiser
E os poetas?
Eles, lógico, não são teus
Podem até definir a tua noite.

Alexandre Lucas


Estava ali na mesa
Entre o pão e a manteiga
Uma xícara de choro
O tempo estava frio
Como as almas áridas
Pensei no ultimo gole
Da Água-ardente
E no sorriso das crianças
Liquidifiquei os pensamentos
Passei na peneira
E bebi em lentidão.

Alexandre Lucas


Só isso
Passe pela outra rua
Essa é calçada de ferida
Aberta
Só quero evitar que a insensiblidade se instale
A gente é um pedacinho de carne viva e uma infinidade de sentimentos
Uma rua machucada
Em que o cano do coração
Estoura em tempos ácidos
E as pedras dão cascudos
Nos caminhos empinados.

Alexandre Lucas

Declaro para os devidos fins e a quem interessar possa
Que todos os dias remendo
Partes de mim
ou ainda completo
Partes que me faltam
Carrego cicatrizes
Que de tão profundas
Atravessam a alma e a epiderme
Aqui reina saudades, lembranças,
Medos e vários punhados de dores,
Hora e outra, (as vezes demora muito tempo )
corto os cabelos
Preparo o caldeirão
E jogo porções de tanta coisa boa
Que sou capaz de voar de tão leve que a alma fica.

Alexandre Lucas


Hoje a saudade veio como chuva
Inundou de lembrança a estrada
Orgulhoso o sol logo veio
Mais um dia árido
Resiste
Entre as flores que continuam a brotar em tempos de chuva e aridez.

Alexandre Lucas


Não sou o  pão da esquina
Que está ali para ser comprado e comido
Ou só comido, como arroz e feijão
Não venha  me passar manteiga
E encher o bucho
E depois  virar de lado
Jogando uns trocados
O pão da esquina fica parado
Para ser bulinado
Enquanto gente
Pinota, dar cambalhotas  e goza
Grita e chora, recua e diz não
Gente, não é pão!

Alexandre Lucas

Surge o  nascimento de braços
Alumiados de esperança
em cada casa sem chaminé
nos sacos vazios
de uma vida inteira
Em cada Jesus sem Nazaré  que já nasce crucificado
Não haverá trenós, nem barrigudos do consumo
Nem ceia farta para um único dia
Quando cada castelo for ocupado,
A  comida deixar de ser   uma preocupação constante  
A felicidade não ter placas de  venda em cada esquina
E  a confraternização  ficar impossibilitada de ser orquestra artificial
Defumando ilusões
Nem o natal capital, nem migalhas de caridade
Quando o povo tiver que mendigar a felicidade,
Em doses homeopáticas
De apatia humanitária.    

Alexandre Lucas

Escreve no meu corpo e guarda segredo
Esquece os jornais
 notícia no meu ouvido
O teu release de prazer
A matéria terá argumentos
E sairá quentinha
eu e você na redação
Escrevendo narrativas
Deliciosas nas páginas da pele
E  leituras reviradas
De afetos e temperos singulares.

Alexandre Lucas

Que todos os molotovs sejam declarações de amores
Espalhadas pela cidade
Estilhaços de fraternidade impregnem nos desejos
Que o caminhar possa ser com as mãos  livres
 para que possamos dançar soltamente
e que a partilha seja como como o ar
se não existir nada brotará.

Alexandre Lucas

Enquanto vou me acordando
Sinto o cheiro quente dos teus seios
Lembro do café feito de gente
Nos  provamos
Entre pernas, mãos e línguas
As únicas canções que escuto
São galopes e uma sequência inumerável  de hum
Debulhados
Já podemos dizer bom dia.

Alexandre Lucas

No meio do caminho tinha uma fita de cetim
Balançando
De todas as palavras pronunciadas
De todos os gemidos professados
De todos os olhares
Diante da fita de cetim
Apenas o silencio do seu balançar.

Alexandre Lucas

Ajoelhou-se sem penitência
Com delicadeza e sem protocolos
Fez o meio transbordar
Escreveu no  seu rosto um poema de prazer.

Alexandre Lucas

Deixe que as línguas sejam maliciosas
Que a boca revire os sentidos
Que os dentes façam percursos tatuados de prazer
Deixe apenas aquilo que quiser
Que deixo aquilo que me for permitido.

Alexandre Lucas

Trafega as tuas mãos sobre meu corpo
A água escorre
Tua boca fresca, teus olhos vivos
O banheiro
Pernas entrelaçadas
O banho de línguas
Uma pausa para um curto-circuito
O chuveiro goteja
Meus olhos respiram
As paredes e os braços se abraçam
Enquanto planejamos o próximo banho

Alexandre Lucas

Sair com o coração amputado, mas sair
Ganhei um livro inteiro de Maiakóvski para tomar com cappuccino
Com todas as quebras e quedas
Que compõe a  sua poesia ácida
Árida,
A sua poesia vida
Veio a massagem
Como curativo da alma
Antes de desmoronar
devore poemas Maiakóvskianos e insulte o vento
Para que ele decomponha
a tristeza em partículas  imensuráveis.

Alexandre Lucas

Não me peça perdão
Depois das flores violadas
Árido  me reinventou na resistência
Como mandacaru bem espetado
Sobrevivo com pouca frescura
O sol tempera
A chuva que se afasta
Aguarde, de tempos em tempos
Brotará lindas e pequenas flores vermelhas num cacho de espinhos
Pegue com cuidado
Ou deixe quieta
Para que elas sobrevivam sem feridas.

Alexandre Lucas

Plenamente nunca sou
Os baralhos na mesa
São cartas curtas de histórias inventadas
Como poemas de açúcar
Tem vida curta
Depois de toneladas  adocicadas de afeto, todas com prazo de validade vencida
Sempre desconfiamos
Plenamente.

Alexandre Lucas

Desconfio do silêncio
Da cidade cinza
Da franquia da vida
Da robotização da fala
Da propriedade privada
Desconfio de cada fio
Do beijo sem suspiro
De sexo sem orgasmo
Do Deus bancário
Do amor de fotografia
Desconfio de mim
Só desconfio mesmo
Por está vivo.

Alexandre Lucas

Lágrimas se tecem num corpo surrado, já é tarde.
As palavras se espremem
Na sensibilidade, o verso sai ferido
A liberdade ainda tem longos passos,
O tempo exige resistência!
Amanhã, o corpo será sussurrado e as lágrimas saíram brancas de felicidade.

Alexandre Lucas

Tuas pernas desenham sexo na minha cabeça
Inevitavelmente,
Mas prefiro as passadas das tuas palavras
Que fazem andança profunda
Nas curvas da minha admiração
O que seria das tuas pernas sem a composição das tuas palavras?
Poderiam elas afinar, engrossar, enrugar e encabelar    
Só não pode você faltar  com a palavra.

Alexandre Lucas

Que o corpo não seja apenas
A selvageria que se quer
Uma válvula para extorquir prazer
Ainda em tempos de posse
A extorsão do gozo é uma liminar do patriarcado
Que o gozo seja mais amplo
que se entrelace entre as conversas ao pé do olhar
e aos sussurros de tremer pescoço
que ele tome banho após o riso
e que sem pressa  ele preencha de delicadeza
o corpo, os seus contextos e a selvageria.

Alexandre Lucas

No encosto da parede
Seguro minhas pernas trêmulas
Enquanto você segura
Ajoelhada e freneticamente inquieta,  meu meio
Na sua  sentença de prazer
Contorço-me
Enquanto me espalho como hidratante no seu rosto
E assim vamos povoando a alma com a carne.

Alexandre Lucas

Miçangas de conto
Contam uma história sucinta
A porta que abriu,  ficou derrubada.
Pronto, era apenas um microconto
O restante cabe na tua imaginação.  

Alexandre Lucas

Deslizo segredos sobre teu corpo
A linguagem da língua,
Botam em erupção a tua pele  
Vulcão de lavas-corpos
Derretem-se
Entre as contorções
Sorridentes do prazer

Alexandre Lucas

Que não falte carambolas,  chocolate e  hortelã
Para estrelar a dança dos desejos
Saculejar a partilha
Da pele friccionada a outra pele
Versos da epiderme
Que venha os molotovs de Feniletilamina
Para florar de tesão os encontros
Nus
E debulhar a sabedoria das trocas.

Alexandre Lucas

A mesa guarda ainda as lembranças do café
Suas pernas cruzadas
Esquenta tuas entranhas e meus pensamentos
Apenas uma blusa leve
Cobre teus seios limão
Seus dedos dedilham
Poemas eróticos
Deitado
Imagino
As  minhas mãos decompondo
O silêncio,
A nudez fazendo carnaval
Num frevo matutino.

Alexandre Lucas

Comer à mesa
Aponta a forma correta
De  falar como se  vai comer
Possivelmente poderia
Comer na mesa,
com a comida espalhada na mesa, comer!
se não fosse negado comer
poderia se comer à mesa e na mesa
Teve um tempo que nem mesa tinha
E o povo comia
Sempre que tinha fome.

Alexandre Lucas

Dói
A ausência do amor
Como o tombo
No escuro do abismo
A espera corroe  o brilho
As lágrimas chicoteiam a esperança
A casa continua sem portas
Esperando que um dia
Você se faça presente
Não tarde, posso não suportar.

Alexandre Lucas

Deixou-me  por alguns instantes sem as pernas,
Deixe-me sempre
Em contorções  e esparramado pela cama
Acorde-me cedinho
sentindo as estrelas e a boca
Lenta e devoradora
Conte-me uma história de luta  pela vida e sorria,
antes de sair
Escreva no espelho do banheiro: bom dia.  

Alexandre Lucas
Não me interessa a poesia que codifica o código
Que faz da junção das palavras
Um cálculo complexo
Que fala para poucos
Nem  a que fala para muitos e nada acrescenta
Gosto mesmo é daquela poesia
Que me deixa de pé
Cheio de tesão
E do poema que em cada verso chama-me para a luta
E daqueles de tão meigos
Fazem
Ventania nos olhos
A poesia pode tudo isso:
Tamanho, métrica e ritmo
Rima,  forma, adereço e enredo
Se  ela não tiver  a palavra que  toque e o verso que afete
Não  me interessa .

Alexandre Lucas


23/1 16:57] Alexandre Lucas: Um dedo que não pede silêncio
Separa nossos lábios que se desejam
Nossas pernas continuam querendo se encaixar
Nossos pescoços se acolhem
Esses nossos olhos brilham
De afeto
O tempo acelera as emoções
A alma lateja de alegria
E fico aqui embebecendo os pensamentos da tua companhia

Alexandre Lucas

Esse poema carregado de brilhos nos olhos
Que faz mar e que se adocica no tempo
que agarra no olhar,
que abana as palavras com frescor
esse  poema vestido de pura nudez
de cabelo assanhado
de toque suave
que entra dançarino
no banquete da alma
Esse poema lindo
Feito brincadeira  de criança que encanta
Poema atrevido,  teima em ser feliz
Não é de Neruda, nem de Drummond, nem Vinicius
É um poema feito   na rede
No balanço  que não termina
No aconchego
Nas lembranças dos beijos
É um poeminha que germina
Com os olhinhos fechados e
Uns sorridos esbugalhados.

Alexandre Lucas

A rede vazia e trago  você aqui com esses olhinhos que me fazem sorvete
Derretido e doce
Ensaio um eu te amo
Cacheado de estrelas verdes
As estrelas verdes existem
E são bordadas de delicadeza
Tem pontas fininhas
que de tão  macias
Nós deitamos para sonhar.

Alexandre Lucas

Eu que tenho um relacionamento amoroso separado
Assinado no papel dos meus olhos
Que entre tantas vírgulas e quase pontos
Cheguei a pensar  que os versos  acordariam  descrentes
Mas eles se fizeram emaranhados de cachos
Com pontas de afetos para todos os lados
E eu que pensei que os versos adormeciam  ou enlouqueciam
E ponto final
Decreto, infinitamente impossível
Declaro, o verso pode ser o que você quiser
até um relacionamento amoroso e separado.

Alexandre Lucas

No banho jorra água e lembranças
A toalha
Nossos corpos afogueados e nossas mãos de cuidado
Esse olhar particular
Que acaricia a intimidade da alma
O espelho que nos fotografa em risos
Sem modéstia
A felicidade germina.

Alexandre Lucas

O tempo frio, a chuva massageia a vontade de sonhar
Escancaro lentamente um som instrumental
Fecho os olhos para escrever  um poema cacheado
Ele vem Afrodite
Dançando como uma folha ao vento
Abro a porta e  deixo os brilhos rodopiarem
Fitas de cetim se cacheiam na ventania dos desejos
E um pássaro anuncia pelos céus a alegria de voar

Alexandre Lucas







Patativa, amigo e companheiro - por Carlos Rafael



Texto: Carlos Rafael Dias
Foto: Emerson Monteiro


Anualmente, o Centro Acadêmico do curso de História da Universidade Regional do Cariri – URCA, promove a Semana de História, com a realização de palestras, mesas redondas e outras atividades de cunho acadêmico-científico que versam sobre temas e questões pertinentes a esta área das ciências humanas. Para mim, é um evento permeado de muita afetividade, pois dele sempre participei, desde o tempo de estudante. Coube a mim, inclusive, relançar a Semana em 1994, quando fui chefe do Departamento de História da URCA.

Há cerca de uns dez anos, fui convidado pelos promotores da Semana para proferir algumas palavras na abertura do evento. Fiquei, então, a pensar no que iria falar naquele solene momento, mais ainda por se tratar também da abertura de uma exposição sobre Patativa do Assaré, figura icônica para todos nós caririenses. Repetiria os velhos e cansados chavões de que Patativa era um gênio literato, cuja obra era estudada nas maiores e melhores universidades do mundo? Ou diria que o poeta tinha sido em vida um porta-voz dos sertanejos desvalidos e injustiçados? Não, não diria aquilo ou isso. Daria um testemunho da minha convivência privilegiada com o homem e o poeta Patativa, pois sempre foi essa a minha relação com ele, mais de amigo e companheiro de militância cultural do que de admirador ou estudioso de sua importante obra. Falaria de Patativa como um participante do Salão de Outubro, mostra anual que realizávamos no antigo Parque Municipal do Crato, cujo ponto alto era o recital que ele fazia, encerrando a noite de sábado. Revelaria, até, o episódio em que Patativa foi instigado pelo poeta “marginal” Miró, vindo de Petrolina para participar do Salão de Outubro e que não se conformou com o monopólio de palco exercido por Patativa, que se alongava, como de costume, no seu recital. Miró também queria recitar e reclamou, com plenos pulmões, daquele “monopólio”. Patativa ouviu o protesto e fez um verso de improviso, convidando Miró para dividir o palco com ele. Miró atendeu ao convite e os que estavam no Parque naquela noite tiveram o privilégio de ouvir um recital que uniu duas gerações de poetas e dois gêneros de poesia, aparentemente díspares. Foi mais uma das inúmeras lições de humildade do poeta maior. Contaria, ainda, como Patativa fazia questão de colaborar com o nosso jornalzinho Folha de Piqui, nos dando a honra de publicar versos inéditos de sua lavra. Diria, enfim, de nossas frequentes visitas à casa de Patativa na cidade de Assaré, ali pertinho da Igreja Matriz, onde passávamos horas inteiras conversando e ouvindo-o recitar.

Foi o que fiz, em um ato que mais do que uma homenagem à Patativa pela sua antológica obra poética, foi um grato reconhecimento da sua importância em nossas vidas,

Patativa, além de um poeta fenomenal, um dos grandes da literatura universal, foi um homem íntegro, humilde, solidário, generoso, amigo e, em suma, um ser admirável. Portanto, sempre será um inspirador exemplo de vida pela sua profunda e honesta forma de viver.

Avis rara. Ave, poeta!

quinta-feira, 2 de março de 2017

ACONTECEU EM FEVEREIRO - Dr. Demóstenes Ribeiro (*)

Aconteceu em fevereiro. O homem, cinza e sozinho, vagava pelo shopping quando começou a algazarra. Da porta da livraria, ele observou o tumulto. Era um rolezinho e o pânico se instalara: o novo-rico reclamou zangado; a madame lipoaspirada escondeu as jóias; a patricinha empalideceu e os lojistas apavorados fecharam as portas.
Enquanto os seguranças assumiam posição de combate, moças e rapazes se divertiam desafiando aquele espaço de exclusão e afirmando presença no mundo. Simpático ao movimento social, meu amigo assistia a manifestação com naturalidade, quando uma jovem irrompeu luminosa e se dirigiu a ele.
A moça tinha cabelo curto e olhos negros. Usava tênis, calça jeans e camiseta realçando o busto. Como se de muito o conhecesse, beijou-lhe a face, disse volta pra mim e retornou à turba. Atordoado, ele a perdeu de vista e se integrou à confusão.
Daí em diante, ficou desassossegado e não mais conseguiu dormir. Esteve presente no protesto contra a construção do aquário e a destruição da praça Portugal. Tudo era um descalabro e ele talvez a reencontrasse. No caos, uma black bloc lhe acenou de longe, mas o boné e o rosto encoberto impediram a identificação. Então, desde o rolezinho, o meu amigo passou a viver outro mundo e cancelou o baile da saudade: nenhuma menina iria curtir essa diversão outonal!
Adeus vida de monge, vestiu uma camisa listrada e saiu por aí. Andou por todos os bares. Na praia de Iracema era pré-carnaval. Obstinado, atravessou o beijo gay e o beijo lésbico. Foi em busca do desfile e se meteu no bloco da cachorra. Não viu a moça e se sentiu um peixe fora d’agua: era mais um coroa ridículo no meio dessa multidão.
Exausto, voltou pra casa e tomou um uísque duplo. Mergulhou na saudade e lembrou aquela canção do Sinatra: “acho que nos encontramos antes, sua roupa é a mesma e o mesmo é seu sorriso, a primeira vez parece acontecer de novo, mas não consigo lembrar “Where or When...” Lembrança de uma paixão arrebatadora e que nunca foi correspondida.
Hoje, ele é outra pessoa. Mil vezes escuta essa música, mil vezes assiste “Em algum lugar do passado” e a toda hora repete que ainda encontrará a moça de cabelo curto, olhos negros e camiseta realçando o busto. Quem sabe, numa sessão espírita, talvez em terapia de vidas passadas ou antes de um internamento e eletrochoque em algum hospital mental.
Passou o carnaval, chove lá fora e o meu amigo desapareceu. Mas, do seu drama e delírio, restaram muita inveja e compaixão. 
(*) Dr. Demóstenes Ribeiro (Cardiologista)