TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Amor que nega interpretações - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os brasileiros tomaram conhecimento detalhado do assunto através do jornalista Fernando Morais que escreveu o livro “Os últimos soldados da Guerra Fria.” Foram onze agentes cubanos infiltrados nos EUA para, em Miami, vigiar os movimentos dos grupos anticastristas.

Em 1998, o FBI prendeu dez deles e um fugiu.

Dos dez restaram presos cinco, conhecidos como Lo Cinco. Eram Antonio Guerrero Rodríguez, nascido em Miami em 1958, engenheiro aeronáutico, poeta com 22 anos de prisão; Fernando González Llort, nascido em Havana 1963, graduado em relações internacionais com 18 anos de prisão; Ramón Labañino Salazar, nascido em Havana em 1963, economista sentenciado a 30 anos; René González Sehwerert, nascido em Chicago em 1956, piloto e instrutor de voo, sentenciado a 15 anos e o quinto é Gerardo Hernández Nordelo, nascido em Havana em 1965, graduado em relações internacionais, caricaturista e sentenciado a duas vezes a prisão perpetua e mais quinze anos.

É a Gerardo Hernández que o caso pertence. Originário de família cubana humilde, nasceu seis anos após o triunfo da revolução. Entre outras experiências em vida, participou, em 1989, de 54 missões de guerra durante a ajuda militar cubana a Angola.

Mas o caso começa agora. Em 1988, vindo de uma história da adolescência, Gerardo casa-se com Adriana Pérez O´Connor. Vai para a guerra. Retorna a Cuba como herói e logo a seguir é enviado em missão secreta a Miami onde trabalha em artes gráficas numa revista. Adriana ficou morando em Havana.

Em 1998 os cubanos são presos, entre eles, Gerardo e este recebe a pior sentença e fica incomunicável. Adriana Pérez se torna uma potência a denunciar a situação do marido e reivindicar sua libertação. Manifesta-se na televisão pelo mundo, vai falar com autoridades diplomáticas de muitas nações. Chega aos EUA, visita até mesmo a Casa Branca para tentar ver o marido.

Impossível até de um encontro através de portas de vidro. Adriana jamais conseguiu ver o marido. Dois dos cinco terminam suas sentenças, são soltos e retornam a Cuba. Não havia qualquer esperança para Gerardo que não fosse a solidão e perpétua cadeia. Mas Adriana é um personagem da liberdade.

Aí chegam estes últimos meses de 2014 (16 anos passados), Gerardo que fora preso com 33 anos, já tem 49 anos e Adriana que tinha 28 anos, tem 44 anos. Numa surpreende manobra, o Presidente Obama dos EUA abre negociação com Raul Castro e todos são libertados. De um lado e outro. Do outro lado, Gerardo Hernández Nordelo volta a pisar o solo de Havana.

E a sentir o calor do corpo abraçado de Adriana, seus beijos latinos, sua história de solidariedade e no limite das possibilidades. Cuba faz uma festa para o retorno dos prisioneiros. O grande Silvio Rodriguez canta com eles em praça pública. Adriana e Gerardo, o caso de amor, estão juntos na cena pública.

Uma pausa narrativa. O amor que é este senso de ter o outro no presente e no futuro é a constituição da reprodução dos tempos neste processo sorvedouro de aconteceres. Por isso o amor é a prova acabada da solidariedade histórica. Na fragilidade, a viga que sustenta, é a história dos dois.

Agora retornando. Eis que surge nas imagens de programas de televisão um casal amoroso, com o marido passando a mão sobre a barriga grávida de Adriana. Uma gravidez de mais de seis meses. E eles a espera do fruto deste amor.

Pronto. A trilha de interpretações e perplexidade se espalha. Quem é o verdadeiro pai do filho de Adriana? Gerardo, este afastado do corpo de Adriana até bem próximo do mês de dezembro, não poderia ser. Um caso de amor aceito como a decisão no limite da idade de Adriana? Aos 44 anos a reprodução lhe era cada vez mais impossível. Então Gerardo tinha um acordo tácito de dar sentido ao útero fértil da mulher?

Nada disto.

Tudo pertencia às negociações secretas entre Cuba e os EUA. Um senador americano, Patrick Leahy (do Comitê de Defesa) teria sido parte de uma ação de inseminação artificial com o sêmen de Gerardo. A implantação do embrião foi feita no Panamá às expensas do governo cubano.


Agora o filho de Adriana restabelece o elo na história.  

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