TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 31 de julho de 2010

Cafezinho Quente

Dissipa-se a poesia
se a infame vaidade
insinuante e esguia

abocanha a pele
tritura os ossos
da alma picadinhos.

Voa e não retorna
aquele luar assombrado

se a tola inquietude
apodera-se do instante
e o ferimento não cura.

Precisa-se daquele poema
incauto, flagelado

nunca orado a santos
nem prometido ao diabo

trancafiado no baú antigo
dentro da gaveta da penteadeira
enterrado a sete palmos debaixo
do último sol, da última chuva
atrás do arco-íris.

Precisa-se daquele poema
oculto, exilado, passado
a goma e a lama
lacrando o envelope

que nem amiga mais fiel
que nem amigo mais correto

possam ter acesso
e liberdade.

Aquele poema exausto
sem sombra de figueira
sem sandálias antigas

apenas uma brisa
uma réstia

do que nunca foi dito
sussurrado em sonhos
escapado no gemido.

Que ninguém
(nem mãe nem filho)
invada e descubra

aquele poema iluminado
por ser inacabado
jovial, monge
e eterno.

Que a irmandade
do silêncio
rejubile-se

em nossa morte
duradoura e franca.

Não haverá vaidade
que torça o pescoço
e estrangule

o que cintila
dentro da alma.

Que ninguém
(nem pai nem filha)
apodere-se do que
não tem nome
tampouco feições.

Permita-me
o sonho da morte
dormir e acordar

um cadáver brilhante
cílios de fogo.

Que a vaidade se desnuda
pelo reflexo da própria máscara

e não mais se funda
do horror ao despropósito.

Precisa-se do poema
do infeliz inocente

do tempo
e do emudecimento
por uma noite
o sossego.

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