TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 25 de julho de 2010

A arte de narrar merecidamente premiado



Projeto Narrativas Orais no Barro Vermelho, premiado pelo programa MINC Mais Cultura.



De fato, a oralidade funda a necessidade da escrita, do código impresso. Seja, na areia, no barro ou em placa de argila cozida, os transmitidos relatos orais de pessoa para pessoa, de geração para geração e de povo para povo, ganham outra dimensão quando eternizados no registro da escrita. (CAVALCANTI,2002:28).


A idéia de coletar contos, lendas, cantigas, brincadeiras, músicas encenadas nos dramas e toda literatura popular que nasce do verbo e do imaginário de moradores antigos do Barro Vermelho, hoje na boca dos moradores Alto da Penha, a tempos me instiga. O tema foi objeto de pesquisa junto às comunidades narrativas orais de Crato em 2004 e 2005, o que me deu suporte para compor a monografia que defendi pela Faculdade de Filosofia do Recife.

O Projeto Narrativas Orais no Barro Vermelho é fruto dessa vivência e foi recentemente premiado pelo programa Mais Cultura do MINC. Terá como produto final a publicação de um livro cujos escritos e ilustrações ficarão a cargo dos 50 estudantes do Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino do Crato envolvidos no Projeto. Eles participarão de oficinas de formação nas áreas de identidade cultural, fotografia, desenho, pintura e produção textual.

Com o apoio da Secretaria de Cultura Esporte e Juventude de Crato, as ações do projeto serão concentradas na Biblioteca comunitária Luis Cruz, localizada no bairro Alto da Penha.

Durante um ano a comunidade do Alto Penha, sob a égide do verbo falado, fará um regresso a infância da ficção literária que se confunde com a infância da humanidade em simetria com os verbos migratórios dos tempos de Sherazadze das Mil e uma noites e que desde então alimenta e ocupa o imaginário de todos os povos. Tal qual um mosaico construído de pedaços de tempo a literatura oral é a memória do mundo a criar e a ofertar alguma coisa do próprio mundo dos homens.

Desde a sua origem, ao homem foi dado o poder de expressar-se, de comunicar-se. Contam seus feitos, seus domínios, seus estados interiores, o mistério da existência. Narrativas orais que representam à alma humana, o convívio social, as manifestações do cosmos. Mitos, crenças, rituais primitivos revelam os estados imaginativos, explicam os fenômenos naturais não submetidos às leis racionais. Criações anônimas tão propícias a estética da poesia a invadir as almas dos literatos que em seus escritos registram tamanha beleza e grandeza. “Ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular” (CASCUDO).

Na contemporaneidade as telas imagéticas hipnotizam, seduzem e roubam o lugar das conversas antes aconchegantes nas cozinhas, nas calçadas, nos terreiros. Essa ausência dos prazeres do ócio desencadeia estados interiores permeados de solidão, de individualismo. O que resulta dessas formas de narrar inquieta e nos convida a percorrer caminhos outros para reencontrarmos a afetividade perdida em meio ao fetiche do consumo.

De forma que, o retorno do convívio com as narrativas orais, com os elementos que compõem o reino popular é mister, pois a muito o homem em sua caminhada vem perdendo o que lhe é liricamente humano em meio a tanto cimento armado.


Entretanto, o sentimento pretérito permanece latente e o que se busca é sua conexão com o presente para propiciar estabilidade as emoções e estimular hábitos e comportamentos harmônicos entre as criaturas e o mundo.

Espero, leitor, que ao terminar a leitura desse artigo, bem como mais adiante da leitura do livro que por nós será impresso e publicado, consiga sair de frente da tela do seu computador um pouco mais convencido de que a tradição oral vai muito além da própria tradição oral e mostrar aos seus pares porque Todo o artista deve ir onde o povo está, como diz Milton Nascimento.


Por Ana Rosa Borges, coordenadora.





Um comentário:

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Ana Rosa é uma grande mulher e não é só pela bela filha que tem.
Quando enveredou-se para concretizar este maravilhoso trabalho talvez nem soubesse da sua contribuição efetiva para valorização das nossas tradições orais que sempre contam muito mais sobre nós do que as estórias que estão impressas nos livros acadêmicos.
Parabens, Ana Rosa!