TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Respingos de certezas

Tantas certezas amolecem e dão lugar a outras que minha vida fica um tanto quanto sobre o pântano (no sentido não do cheiro, mas do insustentável). É que certezas podem ser forjadas, como um ferreiro forja um estribo. Com o qual subimos até a sela (sem dicionário fiquei entre o “c” e o “s”, este português é muito cheio de passados do latim). Sem contar que certezas podem se compor como um medicamento, uma pílula com fórmulas, cujas substâncias são as leituras iconográficas com as quais nascemos ou adquirimos. Enfim, já dizia alguém numa manhã plena de novidades, não tenha tantas certezas assim. Elas são como os dentes, ficam cariadas, sujeitam-se às doenças da gengiva.

Mas não venha me pegar desprevenido. Sem certezas meu corpo nu não suporta os raios do sol, sofrerá um câncer de pele. Por isso já se aproxime sabendo que tenho um balaio de certezas, verdadeiros cachos, como aqueles de pitomba, com folhagem, talo e o fruto maduro. Enquanto nos sentamos sob este teto de trepadeira das flores vermelha, eu vou chupando minhas certezas, depositando as cascas numa lixeira ao lado e cuspindo os caroços chupados como se fosse uma metralhadora.

Ao final encontrarás meus dentes adoecidos por tanto ácido das frutas e não tarda que sairemos de baladeira em punho à busca de novas certezas. Aí já serão certezas compartilhadas por nós. Podem ser salgadas para uso futuro, podem ser consumidas ainda frescas, mas certamente se estenderão sobre o varal para secar ao sol destes vastos sertões. E virão como certezas curtidas, tão profundamente curtidas que parecerão mitos de uma longa história dos povos.

Sim, mas existem certezas que são ludibrios. Fazem parte como de uma performance grupal, em que os acadêmicos desfolham teses e novidades, rodapés de páginas, longos conflitos de escolas, uma esgrima mental para a conquista da alma. Estas certezas costumam se escrever, como verdades em última análise. Aí se tornam troféus de algum metal pesado que podem ser arremessados contra o adversário no calor de alguma opinião trocada.

Tenho certezas estéticas, éticas, etílicas (se o produto é ruim uma ressaca desaba ao amanhecer), filosóficas, religiosas (ou atéias), certezas como se vê, embaladas em alguma caixa tetra pak, próprias para a conservação de longa vida. Mas podem azedar, podem talhar, é possível um doce de leite caroçudo, que se adoça numa noitada desprovida de novidades.

Portanto que seja, para Socorro Moreira e Claude Bloc, como a tantos em nosso horizonte, as certezas é melhor tê-las, com a certeza que amanhã elas mudam de face, ou de aspecto, ou de significado. Como um broto que vira flor, um caroço que se torna uma árvore ou nós que devemos nos encontrar onde deveremos nos encontrar. Um dia se teu genro ou tua nora, ou teus filhos advogarem um isolamento pretensioso, que o façam por si mesmos, só não contem contigo, pois o território só de cada um é o limite.

Praça de reunião é melhor lá se encontrar. Quem haverá de censurar nossa presença? Sempre conte com o AMOR DO CENSOR.

Um comentário:

Marta F. disse...

Caramba!...ou carambola! Dovale, escreve muito gostoso de ler, chupo a minha certeza de que és um grande...o que for...gente, autor, observador da vida e das certezas relativas.
As frases conotativas no seu texto nunca estão deselegantes.

Foi um prazer comentar.

Abraços.