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sábado, 31 de janeiro de 2009

Do seriado "Coisas da República"


Brasil
ESTRATÉGIA INFALÍVEL
Prometendo tudo a todos, o senador José Sarney consegue a proeza de unir até o governo contra a candidatura do petista Tião Viana e se transforma emfavorito na disputa pela presidência do Congresso
Otávio Cabral


Fotos Sergio Dutti/AE e Ricardo Marques/Folha Imagem
PELO COMANDO

O peemedebista José Sarney e o petista Tião Viana têm plataformas de campanha diferentes. Viana (no alto) prega a moralização do Parlamento, enquanto Sarney prioriza a distribuição de cargos e vantagens aos parlamentares. Na Câmara, a eleição do deputado Michel Temer (à esq.),tida como certa, pode ser afetada pela disputa no Senado

O senador Tião Viana, do PT do Acre, acreditava que o apoio do presidente da República, sua biografia e as elogiáveis propostas de moralização do Parlamento seriam suficientes para convencer os colegas de que seu nome era o que havia de melhor para presidir o Congresso. A política, porém, não se move apenas por virtudes. Há interesses gigantescos, alguns inconfessáveis, a maioria infelizmente direcionada ao fisiologismo. Na semana passada, o senador José Sarney apresentou-se como candidato do PMDB e, mantida a lógica, assumirá nesta segunda-feira o comando do Senado. Sarney fez uma campanha de bastidores usando a mesma fórmula que marcou sua trajetória ao longo de mais de meio século de política. Prometeu cargos aos que não têm, assumiu o compromisso de manter os cargos dos que já têm, garantiu um ambiente de tranquilidade ao governo e, ao mesmo tempo, assegurou à oposição que será um presidente independente, como se isso tudo fosse possível.
Em novembro do ano passado, Tião Viana procurou Sarney e pediu apoio. "Conte comigo", respondeu o senador, que já estava costurando sua candidatura com a ajuda de Renan Calheiros, um de seus principais discípulos na política e que dispensa maiores apresentações. E tome promessas. O DEM, que flertava com Tião Viana, foi o primeiro a fechar com Sarney, após a garantia de que continuará comandando a primeira-secretaria, responsável pela administração de um orçamento anual de 2 bilhões de reais e epicentro de uma série de escândalos de corrupção. O PSDB chegou a piscar diante da proposta de assumir a primeira-vice-presidência, a quarta-secretaria e a presidência da Comissão de Assuntos Econômicos. Adversário histórico de Sarney, até o senador Fernando Collor prometeu entregar seu voto e o de mais seis petebistas em troca do comando da Comissão de Relações Exteriores. O PR, partido com quatro senadores, obteve o compromisso mais prosaico: a troca da frota de carros oficiais, hoje composta de Fiat Marea da década de 90.
No atacado, Sarney garantiu ainda que não mexerá na estrutura do Conselho de Ética – uma promessa que agrada em cheio a um colégio eleitoral no qual um quarto de seus membros responde a processos. O senador também avisou a Dilma Rousseff que a apoiará na sucessão de Lula, ao mesmo tempo em que falou a José Serra, o provável candidato tucano, que não tem nada contra ele e que ainda está indeciso sobre os rumos que tomará em 2010. Foram tantas promessas que elas acabaram se sobrepondo e criando um incidente. Na quinta-feira passada, depois de anunciarem o apoio a Sarney, os tucanos voltaram atrás e se alinharam ao petista Tião Viana. Descobriram que os cargos prometidos ao partido entraram em negociações com outras bancadas. A confusão, que pode acabar criando dificuldades para o PMDB na Câmara, onde o deputado Michel Temer tinha uma eleição tranquila, expõe o nível de preocupação institucional que orienta as decisões de uma boa parte dos nossos políticos. Caso Sarney confirme seu favoritismo, os petistas ameaçam trair Temer em benefício de Ciro Nogueira, do PP. Ciro é afilhado político de Severino Cavalcanti, que renunciou ao ser apanhado em negociações nada institucionais. Solução no Senado, problema na Câmara.
(Fonte: "VEJA"Edição 2098, de 4 de fevereiro de 2009)

Um comentário:

Armando Rafael disse...

Matéria publicada na "Folha de S.Paulo" em 31-01-2009:
31/01/2009

Lula sai do confronto do Congresso como derrotado
Antônio Cruz/ABr
Não importa o resultado. Vença quem vencer, Lula sairá da guerra em que se converteu a troca de comando no Legislativo com o semblante da derrota.
No presidencialismo à brasileira, tisnado pela hipertrofia do Executivo, é usual que o Planalto meta-se em disputas que deveriam ser exclusivas do Congresso.
Na cruzada deste início de 2009, Lula desceu ao front com dois objetivos:
1. Estabelecer o equilíbrio congressual entre PMDB e PT, os dois sócios majoritários do consórcio governista.
2. Afastar o PMDB, tanto quanto possível, da zona de influência do tucano José Serra, adversário provável de Dilma Rousseff, a pré-candidata oficial para 2010.
Não conseguiu nem uma coisa nem outra. Observe-se primeiro o cenário da Câmara.
Ali, vencendo ou perdendo, o PMDB de Michel Temer vai a 2010 como um equilibrista em cima do muro. Pode descer de qualquer lado.
Sob influência de Serra, PSDB e DEM juntaram-se ao PT no blocão que dá suporte a Temer. Em caso de sucesso, a oposição será sócia do empreendimento.
Na hipótese de derrota, a conta será debitada, sobretudo, ao petismo, que flerta com a traição. Uma perfídia tonificada pelos movimentos erráticos de Lula no Senado.
Foi ali, nos subterrâneos do Senado, que se desenhou o Waterloo de Lula. Primeiro, o presidente açulou a candidatura de Tião Viana.
Depois, acomodou Tião numa trilha que o conduziria para um hotel sinistro de beira de estrada, com Anthony Perkins na portaria.
Em quatro oportunidades, Lula ouvira de José Sarney: “Não serei candidato”. Deu crédito à lorota. Diante da meia-volta de Sarney, submeteu Tião ao assédio da faca.
No momento em que a “Psicose” que regia a (des)articulação do Planalto transformava Tião Viana numa espécie de Janeth Leigh a caminho do chuveiro, surgiu o PSDB.
Depois de quase fechar com Sarney, o tucanato, sentindo-se desatendido, bandeou-se para a tropa de Tião.
Com esse gesto, a cavalaria tucana como que resgatou um renegado Tião do epílogo de fita de Hitchcock que o Planalto traçara para ele.
O triunfo de Sarney, agora incerto, imporá a Lula a hegemonia congressual do PMDB, que o presidente queria evitar. Uma hegemonia errática.
A gula de Sarney restabeleceu o abismo que separa o PMDB do Senado do peemedebismo da Câmara.
Os dois grupos disputam, aos tapas, o posto de interlocutor do partido na sucessão de Lula.
De resto, Sarney reacomodou na vitrine o ex-quase-cassado Renan Calheiros, que volta a se impor, com seu estilo morde-e-assopra, como interlocutor incontornável e incômodo de Lula.
A vitória de Tião, se vier, chegará a despeito de Lula, não por causa dele. O candidato petista vai à crônica da guerra como devedor do oposicionista PSDB.
Nos arredores de Lula, diz-se que, numa disputa que opõe dois governistas, o presidente estaria condenado à vitória no Senado. Tolice.
Lula está na bica de converter-se num dos vitoriosos mais perdedores dos baixios políticos de Brasília.