TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 25 de novembro de 2008


Uma noite uma mulher me chamou como se chama um homem. Percebi? Senti. Sem que ela falasse, seus olhos queimaram meus braços, pernas. Quis me entender. Ser homem. Tomar atitude. Não entendi nada. Bateu medo. O pau dando sinal de vida dentro da minha velha calça jeans sem cueca. Pensei: ela tem os olhos de sangue. Ela tem os olhos de quem comete um crime. Ela tem os olhos... ela tem os olhos mais bonitos que eu já vi na porra da minha vida. O copo tremia na minha mão. Olhava. E quando ela olhava, firme, certeiro, eu desviava os olhos. Como uma presa indefesa. Devagar. Devagar ela veio. Lenta como um bicho que vai pegar um bicho menor. – eu sei teu nome. Sei onde você mora. Sei o nome da bebida que você tá bebendo. Só não sei quando é que você vai jogar esse cigarro fora pra eu te dar uma chupada na boca. Medo. Puta que pariu. Ela me assustou de verdade. Joguei o cigarro fora. Sem charme. Rápido demais talvez. Ela se encostou em mim. Não, não é verdade. Ela quase entrou em mim com roupa e tudo. Não escutei mais nada. Tinha alguém tocando no palco? Tinha alguém perto? Ela se encostava mais. Imaginei que nunca mais ia descolar dela. Não queria. Não podia. Se ela saísse naquele momento acho que morreria. Tinha um cheiro doçe. Não sei o nome do perfume. Mas ainda hoje, trinta e tantos anos depois, se sinto alguém passando com esse cheiro na rua, paro. É ela. O fantasma dela. Cheguei em casa naquela noite com um gosto que superava a falta de gosto de todo o resto. Namoramos duarante um ano. E todos os dias, era como a primeira vez. Um entrando no outro. Depois do medo da primeira vez, o tezão absoluto. O vício. O gosto bom da boceta dela na minha boca. O riso sem motivo aparente.Os olhos cor de jabuticaba tatuados nas minhas retinas. Saias coloridas. Jeans desbotados. Sandálias de couro amarradas nas pernas. O cheiro... o cheiro... um dia ela veio se despedir. Me comeu como quem sabe que vai passar fome depois. Me mordeu. Me arranhou. Lambeu o sangue. Chorou. No outro dia eu olhei o céu de manhã e rezei: - por favor, eu nunca te peço nada. Não anoiteça! Não anoiteça, pelo amor de deus. Quando a noite chegou eu tomei um porre, e chorei. Como os guerreiros vencidos. Como os países que são invadidos. Como os bichos. Ela me ensinou a ser bicho. E depois, me soltou na cidade. Um menino com a dor de um homem. O cheiro... o cheiro...

13 comentários:

Domingos Barroso disse...

Meu irmão, espetacular!
Abraços.

Domingos Barroso disse...

E que foto mais apropriada!
Texto e imagem entrelaçados
tal como o cheiro e a carne!
Abraços.

socorro moreira disse...

Como disse Barroso : es-pe-ta-cu-lar !!!

Lupeu Lacerda disse...

domingos,valeu meu irmão. que bom que você gostou.

help querida, um beijo grande com sabor de saudade. breve estoupor aí.

Antonio Sávio disse...

Ótimo texto Lupeu. Como diz o Carlos Rafael: "Que venham mais desses".

Marta F. disse...

Um escândalo, pra contrastar com a timidez do autor.
Intimidade com desconhecidos realmente assusta. Quando o sexo é leviano, ninguém pensa em ter coragem, todo mundo arregaça geral, goza mesmo sem medo. Mas quando mexe com a alma, aí sim, é melhor um sorvete no shopping, uma tarde no parque, um passeio de barco, primeiros beijos...
A cama não precisa ser o test-drive do amor. É só uma sugestão...

Lupeu Lacerda disse...

antonio sávio,
valeu meu brother.
espero sim mandar mais "desses".

marta, eu não sou tímido. nunca fui. só me finjo de morto "quando quero". e eu amo sim, a quem quero e quando quero. no chão, encostado em qualquer canto, e só, em último caso, na porra de uma cama. e ah, não aceito sugestões.

Marta F. disse...

Ôou, também não sou nada tímida, e amo a humanidade inteira sempre e é por isso que me finjo de morta para dizer(dizer é tudo,ahn?)dizer gozando com um texto meu que sai de mim e entra, como você também goza, como quem escreve...estou comentando dizendo isso para desculpar-me com o autor em questão pela minha falta de habilidade em dirigir-me à pessoa em detrimento do autor no último comentário, o que foi no mínimo falta de sutileza. Lupeu, gosto de como descreve o sentir do teu personagem, parabéns por mais um texto vibrante. Afetos aos que leram.

Amanda Teixeira disse...

Bom, muito BOM!

Nunca mais comentei texto nenhum aqui no Cariricult, mas tinha que dizer algo sobre esse texto do Lupeu. Muito BOM.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Lupeu seria difícil acrescentar algum comentário diante dos já feitos. Mas acredite não é para completar os dez como nos mandamentos. É que este texto tem um sútil sabor de uma letra do Chico: um dia ele chegou.......etc. etc.....

Lupeu Lacerda disse...

amanda,
fico feliz por de alguma form ter feito você voltar a comentar no blog. muito grato.
um abraço

me comparar com chico? zé do vale, assim você vai me deixar mal-acostumado. que bom que gostastes mano. que o som de chico seja a trilha sonora do texto então. um grande abraço meu querido.

Marcos Vinícius Leonel disse...

The Lupas na área, com sua urgência, com sua verve, com seu testamento existencial. Cara, tá tudo dominado, é sempre bom ler você, irmão.
abraços

Lupeu Lacerda disse...

lobo sem pele de cordeiro.
lobisomem irmão
tá tudo dominado a vera!!!!
saudade de tú cara
na urgência sempre.
valeu, um puta abraço