TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 30 de outubro de 2007

SOS Rio Batateiras e Sítio Fundão


Canção para o Rio Batateiras (Réquiem ou Balada?)
Por Carlos Rafael

Hoje te visitei e tu estavas agonizando no leito, pois no teu leito não corria uma fiozinho d’água sequer. Lembrei, nostálgico, quando, depois de longas e sábias conversas com Seu Jefferson, proprietário e benfeitor do Sítio Fundão - a tribo urbana, da qual eu fazia parte, mas que era fascinada pelo mato, descia pelas veredas, até enxergar, maravilhada, aquela que era uma das nossas maravilhas: teu pequeno cannion, esculpido pelas tuas correntezas, aparentemente apressadas, mas que eram, na verdade, pacientes pela grandeza da tarefa, realizada através de milhões de anos. Passávamos tardes inteiras banhando-nos nas tuas águas e fartando-nos com as bananas, mangas, ingás e cocos que Seu Jefferson nos autorizava comer. Na volta, sentíamos as almas leves e fagueiras, descendo a acrópole pela escadaria, já com as luzes dos postes acesas, iluminando o centro do Crato.
Passaram-se décadas desde que te visitei pela última vez, quando Seu Jefferson ainda ocupava o posto de Guardião do Sítio e da parte do teu corpo, meu Rio, que repousa naquele santuário ecológico.
Antes, ao lado de Seu Jefferson, dediquei um bom tempo de minhas visitas ao Sítio, manuseando empoeirados documentos cartoriais que celebraram acordos de partilhas de telhas de água entre os proprietários rurais, já em meados do século XIX. Seu Jefferson reclamava da água que diminuía. O acordo estava sendo desrespeitado.
Hoje, voltei ao Sítio. A sua entrada, tão bucólica nas minhas reminiscências, a ponto de compará-la a um pórtico de acesso a um mundo mágico e misterioso,- já não é mais a mesma: uma grande fábrica fica-lhe ao lado, tendo-lhe tomado uma grande parte de sua área, agora arroteada e cercada de alambrado. Parte da mata, na entrada do sítio, está estorricada, calcinada que foi por um incêndio criminoso ocorrido poucos dias atrás. Dos males o menor, pois a mata recuperar-se-á com as chuvas de dezembro que se aproximam (a cigarra já começou a cantar). O problema são os piromaníacos irrecuperáveis.
Pior foi ver o teu estado, meu Rio, agonizando no leito, pois teu leito hoje é só de pedras. Pior, ainda, foi saber que a tua agonia não é natural, vítima de um cataclismo à inversa, como se o apocalipse estivesse próximo e o superaquecimento global resolvesse antecipar o fim do mundo. Nem poderá ser também o agourento canto da acauã, que ouvimos lá da mata, enquanto caminhávamos no teu leito seco e Ed Alencar(*), esse Dom Quixote que insiste em vencer os moinhos "d’água" - quanta coincidência histórica e ao mesmo tempo quantas ironia do destino, meu Rio! -, nos dava o teu diagnóstico. Mas, não! Triste foi saber que tua morte anunciada é por conta da ganância daqueles que, se considerando os donos da terra e aliados do poder, se arvoram a ser donos das águas também.
Vimos como isso vem acontecendo. Tuas nascentes estão sendo desviadas por canos que estupram as entranhas da serra, sugando grande volume do precioso líquido que, de forma tão generosa, a Mãe-Terra oferece indistintamente a todos. Não satisfeitos, antes mesmo das águas molharem teu leito, mais canos e levadas desviam o resto das águas que teima escapar do vampirismo.
Lastimável, meu Rio, é saber que tu estais em estertor, e estertorante também está todo um ecossistema que depende diretamente de ti, formada por vegetação ciliar (desde pteridófitas, como samambaias e plantas afins, até árvores de grande porte) e animais silvestres (veados campeiros, tatus, guaxinins, tamanduás, pássaros, cobras etc). Os animais que não podem migrar perecem, tanto por sede e fome como por se tornarem presa fácil de inescrupulosos caçadores. Homens e mulheres, que formam a população ribeirinha, sofrem e nem entendem porque o rio já não é mais aquele de outrora.
Mas, meu Rio, ah, meu Rio! Sua recuperação deste estado crônico é possível, e isso sem nenhuma panacéia ou plano miraculoso. Basta que os pretensos donos de tuas águas, liberem o líquido durante a noite, quando todos estão repousando, comendo, bebendo, contando dinheiro, assistindo televisão, dormindo ou ocupados em atividades nem sempre produtivas ou essenciais. Basta, pois, que liberem as águas, desviadas de ti durante o dia, das seis da noite às seis da manhã, e pronto, tu voltarás a viver e farás com que toda uma cadeia vital também sobreviva.
É fácil, é simples. É questão de inteligência, bom senso e consciência, pois a vida e suas maravilhas são muito maiores do que interesses menores, individuais, oligárquicos.
Vamos te salvar, meu Rio. Agüente firme!
Rio, não vamos chorar! Vamos lutar!


(*) Edmundo Alencar, conhecido por Ed Alencar, é neto de Seu Jefferson e está à frente da luta para salvar o Sítio Fundão e o Rio Batateiras. Entre nesta campanha. O contato de Ed é (88)9233.7241. Para movimentar a campanha, Ed vem realizando uma série de eventos com vistas à mobilização da sociedade organizada em prol da causa. O próximo será a celebração de uma missa, que acontecerá nesta terça-feira, dia 6 de novembro, às 8 horas da manhã, no leito atualmente seco do Rio Batateiras, localizado no Sítio Fundão, em Crato.

7 comentários:

socorro moreira disse...

AGONIZAMOS TAMBÉM, TANTAS VEZES...CRESCEMOS,E ENVELHECEMOS!O!MAS EXISTEM FOTOS, EXISTEM AS NOSSAS MEMÓRIAS, E O ACALANTO DE UM SONHO...SER MISTURADO COM A NATUREZA!

Armando Rafael disse...

Carlos:
que texto bonito! ele toca a dureza do coração mais insensível, aquele onde não habita a responsabilidade pelo meio ambiente, nem pulsa nenhuma inspiração poética....

Lupeu Lacerda disse...

QUE TUA LUTA SEJA FIRME
E QUE A VITÓRIA VENHA COMO ÁGUA
DESCENDO PELO TEU RIO
TÃO TEU, TÃO NOSSO, TÃO...

SENTI NA CARNE MEU CAMARADA!
TEXTO FORTE,
DORES FORTES,
SAUDADE SEMPRE.

O QUE DEIXAREMOS PRA NOSSOS CURUMINS? SAMAMBAIAS DE PLÁSTICO?

UM GRANDE ABRAÇO. E (SE DEUS QUISER) ATÉ A VITÓRIA.

Pachelly Jamacaru disse...

Foi de uma importância sem igual trazer esta realidade a público, mais ainda que ela transponha o blog e corra feito riacho de encontro à população. E depois ver como traremos a esta realidade, o público, a comunidade! O que há que há de sugestão para que nós aqui, internautas, possamos dar a nossa parcela de contribuição de forma mais direta? Que essa sugestão seja um convite a um engajamento de todos os internautas!
Abraço, bela e oportuna matéria!

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Rafa,
Depois da visita que fizemos, passei a noite insone e ansioso, querendo uma solução urgente, rápida, tempestiva para a revificação do rio Batateiras. Pensei que, num primeiro momento, deveríamos conversar com todos os "donos das águas" e convencê-los (educadamente) para que durante a noite as águas voltem ao leito do rio; depois, partiríamos para ações com os gestores das águas e meio ambiente do município; em seguida, para um movimento envolvendo toda a comunidade (praça, rádio, shows, universidade).
Outra coisa, Rafa, é que teremos que refazer algumas filmagens que fizermos ontem. O programa utilizado por sua câmera não me permite edição. Precisamos voltar lá e refazer muita coisa.
Sobre o texto: Que poema! Servirá de inspiração e roteiro para o documentário.

Carlos Rafael Dias disse...

Armando, Lupeu, Pachelly e Salatiel.

Seus comentários nos fortalecem para essa luta que, com certeza, será um embate de Davi e Golias. Precisamos do apoio de todos os homens de bem. Por enquanto, precisamos divulgar a causa, apoiando este homem, o Ed Alencar, que, ao contrário de quase todos os proprietários que se usufruem das águas do Rio Batateiras, não se move por interesses mesquinhos. Sua luta é pela salvação do rio e de todo um importante ecossistema, que incluem plantas e animais, inclusive o bicho homem que tanto maltrata a natureza.
Obrigado pelas palavras elogiosas.

Vamos em frente!

Carlos Rafael Dias disse...

Desculpe, Socorro.
Valeu igualmente o seu apoio.

Um grande e fraternal abraço.