TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ipês


Qual a manchete mais palpitante desta semana, meus caros ouvintes ? As peripécias corrupto-sexuais do Renan ? O Toma-Lá-Dá-Cá do Congresso pela aprovação da CPMF ? As repercussões do roubo do Rolex do Huck ? A mais importante notícia destes dias, talvez tenha passado despercebida da maior parte dos cairirienses. Embotados pela hipnose da TV e da WEB sequer percebemos o milagre que se refaz, a cada dia, à nossa volta. Imersos num mundo cada vez mais virtual, vamos ,pouco a pouco, nos afastando da realidade e carregando esta vidinha.com pelos poucos dias que nos restam. A tecnologia que tem aproximado eletronicamente, no cyberspace, as pessoas , as tem ensinado um relacionamento impessoal e distante. Faltam o olho-no-olho, o toque, o abraço, o beijo. Namoros podem ser desfeitos com um simples aperto de uma tecla do PC. Adoram-se figuras irreais e fotoshopadas. Os sentimentos são deletados na velocidade da luz. Num mundo já pleno de indiferenças e barreiras um pode ser formatado pelo amigo, pelo patrão, pelo consumo, pelo namorado. Todos nos tornamos igualmente desnecessários e supérfluos. O amor, o carinho, a compreensão vão sendo sacrificados a cada dia nas salas de chats.
Assim é bem possível que este pobre cronista semanal seja logo taxado de louco, quando anunciar a mais importante notícia desta semana. Pois é, caros ouvintes, o que mais deslumbrante aconteceu nestes dias no nosso mundinho foi justamente a Floração dos Ipês. De repente, como se previamente combinado, os ipês revestiram-se de um roxo fosforescente e tingiram toda a Chapada, como que anunciando uma páscoa tardia e atemporal. Aos poucos, num lúbrico strip-tease, peça após peça, os ipês se foram desnudando. Em poucos dias começaram a revestir o chão com suas vestes : pétalas, que carregadas pelas asas do vento, em feito de manto, agasalharam as terras caririenses com um violeta algo esmaecido, mas iridescente. Mal terminara o show, já os Ipês Amarelos tomam de assalto o palco da natureza e florescem um dourado quase que incandescente. Os pés-de-serra , súbito, têm a monotonia do verde quebrada pelo áureo dos ipês lhes imprimindo tons patrióticos, junto com o branco das nuvens, o azul do céu e o agora verde-amarelo das matas. A chapada, ao longe, assemelha-se a uma bandeira desfraldada, tremeluzindo ao sabor da brisa. Nestes dias, as terras caririenses já se recobrem de um tapete auricolor . Os ipês , novamente, desvestiram suas ricas roupas e como que estendem aos hipnotizados passantes uma esteira dourada onde possam sentar e apreciar a vida com todas suas nuances e cambiantes tonalidades.
O toque monocórdico do computador sequer entende a infinitude de lições que brotam junto com a floração dos ipês. A vida que emerge em ciclos e que brilha em matizes diferentes a cada diferente estação. A florescência que anuncia multiplicidade e eternidade , polinizando o mundo e fertilizando a terra. A grandeza de perceber que as mesmas pétalas que encantam os olhos e douram a natureza na primavera , serão o humilde tapete e a delicada alcatifa que no outono confortarão os pés cansados do viandante. E mais que tudo a beleza da vida dura um único, inefável e etéreo momento, que se esvai num átimo, como a fulgurante floração dos ipês. Num piscar de olhos, o êxtase foge de nossa vista e só servirá de lembrança e de manto nos dias de inverno que se já prenunciam. A Vida é já !


J. Flávio Vieira

3 comentários:

Glória disse...

Quanta verdade no texto, Zé Flávio.
A vista do meu quintal nessa época do ano, eu descortino o velho ipê nos fundos do Dert. Lindo !
Um abraço !

Dihelson Mendonça disse...

Flávio, como expliquei lá no Blog do Crato, faço aqui novamente.


Gravei seu lindo texto lido para o nosso Boletim Blog do Crato, no final das notícias do Domingo. Infelizmente vários backbones da internet entraram em manutenção, o que deixou o Brasil sem comunicação com certos países. Quando o sistema voltou ao ar, o Domingo tinha passado. Mas tá lá, pode-se ouvir automaticamente no Blog, e o texto belíssimo foi ilustrado com a "Valsa das Flores" do ballet Quebra-Nozes de Peter I. Tchaikovsky. Nada mais grandioso para ilustrar tamanha beleza descritiva da floração dos Ipês.

Vc não escreve crônicas. Escreve poemas descritivos, visuais!

Abraços,

Dihelson Mendonça

jflavio disse...

Dihelson,

Obrigado pela força e pelos elogios ao texto, vou já ouvir como ficou a leitura no blog do Crato.
Grato,
Zé Flávio